Visionária esta dona Lali, mãe do Alberto Villas. Muito antes de virar moda já fazia sistematicamente muito do que a gente conversa por aqui 🙂
Beijo grande
(Alberto Villas)
“Minha mãe tinha uma mania. Mudar os móveis de lugar. Quando eu digo assim mudar os móveis de lugar você deve estar pensando: Ah, isso todo mundo muda de vez em quando. Mas acontece que minha mãe mudava não era só de vez em quando não, era toda sexta-feira, fizesse sol ou fizesse chuva.
Sexta-feira na minha casa era um dia sagrado. Dona Lali acordava que era um ânimo só. Logo cedo já começava a arrastar os móveis da sala, moveis coloniais pesadíssimos. Ela dava uma coçadinha na cabeça e ficava imaginando onde dessa vez iria colocar cada peça. Ela mudava tudo de lugar, mas tudo mesmo. Mesa, cadeiras, cristaleira, o barzinho, sofá, televisão, a radiola, a mesinha de centro, o abajur, os quadros, tudo tudo. Muitas vezes mudava para pior mas que mudava mudava. E não era só a sala não.
Da sala ela passava pros quartos, pra cozinha, pro banheiro, pra despensa… O negócio dela era mudar as coisas de lugar. Minha mãe era uma pacata dona de casa e hoje, pensando bem, aquela mudança que ela fazia toda sexta-feira deveria ser sua válvula de escape para combater a monotonia do lar. Não que ela tivesse uma vida chata ou tediosa, afinal tinha cinco filhos pra criar. A questão é que ela era animada demais.
O meu pai, metódico, quando chegava em casa cansado de guerra no último dia útil da semana já sabia que ia encontrar uma outra casa. E os filhos ficaram ouvindo aquela ladainha:
– Onde foi parar o meu chinelo?
Pois é, a minha mãe além de mudar os móveis de lugar, mudava também a arrumação dos armários.
– Posso saber onde está o vidro de pimenta?
Lá ia minha mãe explicar que o vidro de pimenta não estava mais no armário em cima da pia mas agora no armário ao lado da geladeira.
A novela maior naquela casa acontecia mesmo na madrugada de sábado quando o meu pai acordava por volta de três horas pra fazer xixi. Como toda semana a cama mudava de lugar, o criado mudo e a cômoda também, o meu pai saia – literalmente – batendo cabeça pelo quarto escuro à procura da porta para ir ao banheiro. Todo sábado de manhã ele choramingava.
– Essa madrugada eu quase sai pela janela!
Verdade. Um dia minha mãe mudou tanto a disposição dos móveis que ele achou, no escuro, que a janela era a porta e quase caiu lá embaixo no porão.
Minha mãe nunca nos deu uma explicação do motivo porque mudava tanto os móveis de lugar mas ela uma vez comentou que não conseguia entender como a minha tia, irmã dela, não mudava uma palha de lugar. Era tudo certinho há décadas.
Verdade. Minha tia tinha uma casa igual há mais de duas décadas. Não arredava os bibelôs na penteadeira nem um centímetro para lá nem um centímetro pra cá. Os vidros de CashmereBouquet eram os mesmos, enfileirados um ao lado do outro. A bomba de laquê ficava sempre no canto esquerdo, pertinho do espelho.
O sofá da minha tia, aquele com uma capa escura para não sujar atravessou os governos de Juscelino, Jânio, Jango e toda a ditadura militar sem sair do lugar. Até na despensa da minha tia tinha lugar certo para cada coisa. O cantinho do Cremogema, a fileira do Mandiopã, os pacotes deFubá Mimoso, os cubinhos dos Doces Ojuara, o engradado de Crush, a prateleira das latas depetit pois, de massa de tomate, tudo no lugar certinho. Minha mãe não gostava nem um pouco disso.
Mas tinha uma sexta-feira no ano em que minha mãe não mudava os móveis do lugar. Era na sexta-feira da paixão. Dia santo, ela sequer varria a casa ou penteava o cabelo. Aquele dia para ela era realmente sagrado. E foi numa dessas sextas-feiras da paixão que eu peguei minha mãe folheando um exemplar da Casa & Jardim. Ela franziu as sobrancelhas, levantou os olhos, consertou os óculos e falou sozinha:
– Essa revista é boa pra gente tirar umas ideias e mudar a casa de vez em quando…”