À medida em que crescia fui ouvindo cada vez com mais frequência minha mãe professar:
Este era o mantra, este era o direcionamento. E segui firme nele, sem pestanejar. De “primeira aluna” da escola na minha cidade natal ao primeiro lugar no vestibular de Engenharia. Quando dona Ornella, minha mãe, faleceu quase ao final do quarto ano de faculdade foi ao mantra da não-dependência que mais me apeguei para seguir em frente. A determinação me rendeu 4 ótimas propostas de emprego assim que coloquei as mãos no diploma. Poderia escolher qual caminho seguir para começar com o pé direito minha promissora carreira executiva em São Paulo.
Bom salário, novos desafios, nova cidade – era tudo perfeito. Mas eu queria mais – e o mesmo mantra me levou a uma pós graduação em marketing e a um MBA internacional (feito – pasmem! – com uma bolsa de estudos integral). Era o mantra e o caminho se materializando em minha frente. Ao me formar, mais uma ótima oferta de emprego: empresa multinacional em um programa “de sonho”, com todos os benefícios possíveis e um retorno ao Brasil. Mais perfeito, impossível.
Já estava apaixonada pelo meu marido e tinha a minha tão propalada e perseguida independência.
O meu relógio biológico começou a soar: queria filhos. Bom, vamos lá: como seria ter filhos? A que horas mesmo eles se encaixariam na minha rotina? Na vida louca e independente, cheguei a ficar um mês inteiro sem encontrar o marido devido à compromissos profissionais de ambos – onde é mesmo que eu iria encaixar as crianças?
Foi neste ponto que o mantra que sempre me guiou começou à falhar em respostas para meus novos dilemas. Talvez pela falta da mãe – para ajudar na criação dos filhos ou mesmo para me responder o que fazer dali para frente – ou talvez por uma certeza interior insana, a possibilidade de largar a vida executiva era o caminho mais certo que se abria para mim.
Podia ter enlouquecido, mas meu coração dizia que era o que deveria fazer: embarcar no projeto mais contraditório de toda a minha vida até então. Tinha o suporte prático de um companheiro que seguraria a barra de ter a nossa entrada mensal reduzida à metade.
Um salto no escuro: me joguei de cabeça no projeto mãe-e-dona-de-casa. Pedi demissão e encarei a nova vida. Sem crachá, cartão de visitas e identidade própria por um tempo. Pessoas que antes falavam comigo com tanto afã já não tinham o interesse de antes ou até me evitavam. Não sabia fritar um ovo direito. Limpar a casa era uma maratona. Ouvi diversas vezes da minha avó a frase fatídica:
E chorei (muito).
E me questionei (muito).
Engravidei duas vezes em um intervalo de 21 meses e tive dois filhos lindos que satisfizeram os caprichos do meu relógio biológico – mas faltava a busca por mim mesma. Sim, a maternidade preencheu (e preenche) boa parte da minha vida – mas o segredo desta história toda foi encontrar minha essência. Esta reconexão com o meu eu exigiu uma quebra da verdade que foi muito minha durante a maior parte da minha vida, o mantra da independência a qualquer custo.
Não estou aqui para defender que todas as mulheres larguem suas carreiras em prol da maternidade e muito menos que nenhuma delas o faça. Cada uma é cada uma – o importante é saber o que nos cabe. Deixar a vida executiva para ser mãe em tempo integral era a decisão perfeita para mim, mas por mais perfeita que fosse, veio carregada de questionamentos e angústias – como toda grande decisão que tomamos em nossas vidas. Hoje posso dizer que angústias e questionamentos são do jogo, temos que lidar constantemente com eles.
Passada mais de uma década deste processo, nasceu a Flávia mãe, a Flávia do DECORACASAS e a Flávia do A Dica do Dia – e todas as Flávias que habitam esta Flávia que vos escreve. Descobri que mais do que uma corredora em busca da minha independência, eu sou uma Flávia múltipla.
Ao postar a foto da matéria da Época no meu perfil do Facebook recebi um carinho inimaginável em meus períodos mais “sombrios” e conheci gente que passou calada e solitária por tudo isso. Tenho muita sorte em poder falar abertamente sobre este processo e trocar ideias com outras pessoas.
Porque os desafios e questionamentos sempre vem e muitas vezes a vida vai parecer complicada demais – o que faz a diferença é justamente como nos portamos frente à eles.
Um beijo,